Fernando Reinach – in O Estado de S.Paulo em 25 de maio de 2013
A neotenia permitiu ao ser humano desenvolver um cérebro sofisticado e uma inteligência muito superior à dos outros primatas. O que poucos sabem é que a educação, em muitos aspectos, é uma tentativa dos pais e das escolas de reverter o processo que nos tornou humanos.
Você já deve ter visto desenhos em que ancestrais do Homo sapiens formam uma fila. Na esquerda, curvado sobre si mesmo, peludo, com cara alongada e uma cabeça proporcionalmente menor, está nosso ancestral mais distante. No lado direito, ereto, sem pelos e com uma cabeça redonda e proporcionalmente maior, está o homem moderno. Esses desenhos tentam representar de forma simplificada as diferenças entre indivíduos adultos de cada espécie que antecedeu o homem moderno. Imagine agora uma coluna vertical sob cada um desses indivíduos. Em cada uma dessas colunas, imagine o desenvolvimento de cada um desses indivíduos, desde o óvulo fecundado (na extremidade inferior) até o jovem adulto (na extremidade superior). Observe que nesse desenho hipotético o eixo vertical descreve as mudanças de um indivíduo ao longo do tempo (da fecundação à maturidade sexual). É o que os biólogos chamam de ontogenia (formação do ser). Nesse eixo, o tempo é medido em anos. Já o eixo horizontal descreve as mudanças nas espécies ao longo do tempo, produto do processo de seleção natural. É o que os biólogos chamam de filogênese. Nesse eixo, o tempo é medido em dezenas de milhares de anos. Esse desenho bidimensional pode ser construído para qualquer espécie e, no caso do homem, vem sendo aprimorado nos últimos 200 anos à medida que os antropólogos descobrem novas espécies em nossa linhagem evolutiva e esqueletos de crianças, adolescentes e adultos de cada uma dessas espécies.
Examinando esse esquema, é possível comparar o desenvolvimento ontogenético ao longo da filogenia. No caso das espécies que deram origem à nossa, essa análise mostrou que o homem moderno adulto tem características muito semelhantes às presentes nas formas infantis de nossos ancestrais. É por esse motivo que um filhote de chimpanzé possui face semelhante à de um homem adulto. Tanto o homem adulto quanto o chimpanzé criança possuem cabeças redondas e faces planas, sem a maxila e a mandíbula proeminente do chimpanzé adulto. A presença de caracteres infantis de nossos ancestrais nas formas adultas de nossa espécie é evidente e universalmente aceita. É como se ao longo da filogenia os últimos passos da ontogenia de nossos ancestrais tivessem desaparecido, fazendo que os adultos de nossa espécie ficassem semelhantes aos jovens de nossos ancestrais. Os biólogos chamam esse fenômeno de pedomorfismo.
Mas o que ocorreu para que essas características infantis dos ancestrais persistissem nos adultos de nossa espécie? Analisando diagramas bidimensionais, biólogos descobriram que ao longo da evolução houve um gradual retardo do desenvolvimento ontogenético – o “amadurecimento” do ser humano moderno é muito mais lento. Como esse processo dura mais tempo, atingimos a maturidade sexual em um momento em que ainda mantemos características das crianças de nossos ancestrais. É exatamente esse alongamento do tempo que levamos para nos desenvolver que é chamado de neotenia.
O interessante é que o desenvolvimento mais lento do sistema nervoso é um dos mecanismos que levaram nosso cérebro a ser tão diferente do de nossos ancestrais. Acredita-se hoje que nossa capacidade cognitiva se desenvolve de forma lenta e gradual e exatamente por esse motivo chegamos “mais longe” que nossos ancestrais. Se por um lado isso nos permite ter um sistema cognitivo mais sofisticado, esse retardo faz com que as crianças dependam por muito mais tempo da ajuda dos pais (um potro está de pé e correndo uma hora após o parto). Por essa razão, cientistas acreditam que a neotenia foi tão importante para nos tornarmos o que somos.
O curioso é que na educação moderna parte dos pais e das escolas não reconhece a importância desse desenvolvimento lento e gradual. Pressionados pela natureza competitiva de nossa sociedade, acreditamos que o ideal é forçar as crianças a aprender cada vez mais cedo. Elas devem ser alfabetizadas aos 6, entrar na faculdade aos 17 anos e estar trabalhando, se possível, aos 21. Assim, acreditam muitos, nossos filhos terão mais chances de “vencer na vida”. Mas, se os evolucionistas estiverem certos e quanto mais lentamente o cérebro se desenvolver melhor o resultado, a atitude do “quanto mais cedo melhor” está fadada a produzir adultos menos amadurecidos.
Forçar um desenvolvimento mais rápido das crianças equivale a tentar reverter em nossos filhos o processo evolutivo. Nos últimos milhões de anos, o desenvolvimento cerebral de nossos ancestrais foi ficando mais lento, o que tornou nosso cérebro tão sofisticado. Não seria boa ideia tentar respeitar nossa história evolutiva?
Fernando Reinach – in O Estado de S.Paulo em 25 de maio de 2013
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“Com firmeza eu ocupo meu lugar no mundo,
Com certeza eu caminho pela vida,
Com amor no íntimo do meu ser,
Com esperança em tudo que eu faço,
Com confiança no meu pensar,
Forças jorrem do meu coração.”
Rudolf Steiner